quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Um Poema por Semana

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 As Palavras Interditas

Os Navios existem, e existe o teu rosto

encostado ao rosto dos navios.

Sem nenhum destino flutuam nas cidades,

Partem no vento, regressam nos rios.

 

Na areia branca, onde o tempo começa,

uma criança passa de costas para o mar.

Anoitece. Não há dúvida, anoitece.

É preciso partir, é preciso ficar.

 

Os hospitais cobrem-se de cinza.

Ondas de sombra quebram-se nas esquinas.

Amo-te… E entram pela janela

as primeiras luzes das colinas.

 

As palavras que te envio são interditas

até, meu amor, pelo halo das searas;

se alguma regressasse, nem já reconhecia

o teu nome nas suas curvas claras.

 

Dói-me esta água, este ar que se respira,

dói-me esta solidão de pedra escura,

estas mãos nocturnas onde aperto

os meus dias quebrados na cintura.

 

E a noite cresce apaixonadamente.

Nas suas margens nuas, desoladas,

cada homem tem apenas para dar

um horizonte de cidades bombardeadas.


Eugénio de Andrade in As Palavras Interditas


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